Da imunidade à hiperresponsabilidade
Sumário: 1. Contextualização necessária: um ambiente em constante e profunda mudança ou “a vida como um game”; 2. Pós-positivismo jurídico; 3. Um outro direito civil: socialidade, eticidade, efetividade, boa-fé objetiva e confiança; 4. O res perit domino e os elementos da responsabilidade civil; 5. Autonomia da vontade e responsabilidade civil – o “princípio da culpa”, seu “colapso” e o surgimento do “princípio do risco”; 6. A fragmentação do nexo causal; 7. Da Indenização; 8.Tendências e novos horizontes da Responsabilidade Civil; 8.1. Ampliação dos danos merecedores de reparação, objetivação (declínio da culpa), responsabilidade coletiva (seguro) e solidariedade; 8.2. Código de Defesa do Consumidor: direito à informação adequada e inversão do ônus da prova; 8.3.Concurso de responsabilidades civil e negocial – responsabilidade supranegocial (ou supracontratual) e a cláusula neminem laedere; 8.4. Os punitive damages no cálculo da indenização; 8.5. O Dano in re ipsa; 8.6. Responsabilidade objetiva agravada; 8.7. Novas teorias; 8.7.1. Danno esistenziale; 8.7.2. Teoria do fortuito interno; 8.7.3. Perda de uma Chance; 8.7.4. Thin skull rule, causalidade alternativa e teoria do escopo da norma violada; 8.7.5. The last clear chance; 9. Consideração final; 10. Referências bibliográficas; 11. Notas.
“Neste cenário de inconstâncias, não parece razoável exigir coerência nos posicionamentos de quem quer que seja. Ao contrário, a incerteza geral estimula uma nova ética, em que as opiniões são volúveis, os compromissos são vagos, e as mudanças de orientação não são mais vistas com tanta surpresa… A coerência nos soa até monótona, sinal de deselegância, como denuncia Fernando Pessoa: ‘É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade. Uma criatura de nervos modernos, de inteligência, sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de certeza várias vezes no mesmo dia’.”[1]
1. Contextualização necessária: um ambiente em constante e profunda mudança ou “a vida como um game”
A bizarra espetacularização da vida, com a necessidade de legitimação de nossos atos por meio do “plebiscito televisivo”[2] de que são exemplos caricatos os Big Brothers/BBBs; a revelação pública da intimidade das pessoas; a evolução/revolução tecnológica causadora de perplexidades, tensões e indefinições no horizonte temporal; as expectativas estendidas pelo Estado (que “promete” a efetivação de políticas públicas) e pelo próprio mercado (anunciando remédios e “poções milagrosas” para evitar o envelhecimento, p. ex.), geradoras de frustração intensa; a massificação do sistema de saúde com a inevitável e corrosiva perda da relação próxima médico-paciente; a proletarização da profissão médica (que passa a considerar o profissional, legalmente, como um “prestador de serviços”) e a “constitucionalização” de temas como o direito à saúde (introduzindo conceitos indeterminados e apresentando interpretações principiológicas a partir da matriz fundamental respeitante à dignidade da pessoa humana) acabaram por criar uma espécie de cultura do “ressentimento organizado” (para utilizarmos a feliz expressão de Boaventura Sousa Santos), aumentando a zona de atrito existente entre necessidades (verdadeiras ou fictícias) e possibilidades (sempre mais distantes) de resolvermos os problemas da sociedade contemporânea.
Penso que a revolução tecnológica hiperconectiva em curso, como amiúde acontece quando se modificam profundamente as relações econômicas, de produção e principalmente humanas – agora possivelmente mais próximas, frequentes e instantâneas mas, ao mesmo tempo, mais irreais, idealizadas e ancoradas no anonimato –, está a romper, a desorganizar, a intoxicar de informações e a solapar os alicerces das estruturas societais ainda imaginadas pelas antigas gerações (e por antigo quero aqui significar as gerações baby boomer e “X”), tornando obsoleto, na velocidade da luz, o extraordinário invento de ontem.
Bem no contexto, como já perguntado com humor e inteligência[3], o que seu estagiário gostaria de fazer toda vez que se frustra? Reiniciar o jogo. Segundo Danilca Galdini, sócia da NextView, o jovem se acostumou a ver a vida como um jogo eletrônico, com instruções objetivas sobre vida e morte.
Daí que temos assistido, de um lado, ao aumento vertiginoso de demandas judiciais frívolas, impregnadas de rancor ou fruto do desejo inescondível de vingança ou lucro fácil, banalizando a vida (sua e dos outros), esvaziando-a de sentido e valor[4]. De outro, um desrespeito sem limites ou paralelo, praticado pelo próprio Estado e por muitas empresas, contra o consumidor, agredindo frontal e grotescamente os direitos relacionados à dignidade da pessoa humana.
Pretendo, assim, a partir desta minha percepção de mundo wiki-tesarac – no qual convivem leis do século XIX, Juízes e Advogados modelados em escolas do século XX e uma sociedade (destinatária das leis e da jurisprudência) ativamente envolvida com as novas referências do século XXI –, explorar as perspectivas atuais da responsabilidade civil, suas transformações e justificativas.
2. Pós-positivismo jurídico
O “jurídico”, obviamente, não ficou imune às mudanças faladas[5], havendo inequívoca certeza da ingente necessidade de aggiornamento dos conceitos e verdades da “ciência sabida” por parte da doutrina e jurisprudência[6], a fim de se providenciar o “acerto de contas” entre o mundo da vida (para citar Husserl) e o do Direito, o que se tem verificado, bem ou mal, com as naturais limitações e equívocos impostos pela ausência de reflexão qualificada.
Apresenta-se inquestionável, nesta quadra da vida jurídica do país, em que a maturidade da teoria constitucional densifica-se a cada dia, que o amplo espectro dos direitos e garantias encartados na Constituição Federal aplica-se às relações horizontais (entre particulares), como faz ver Canotilho, com lucidez singular. E, mais, de acordo com o autor lusitano, “a Constituição, como norma hierárquica superior, constitui fundamento de validade das normas inferiores”[7]. No mesmo diapasão segue Karl Larenz, para quem “os princípios constitucionais devem ser observados na interpretação da legislação ordinária” e na concretização “das cláusulas gerais”[8]. Como reafirma o Professor da UERJ Gustavo Tepedino, “verifica-se a introdução, nas Cartas políticas e nas grandes Constituições do pós-guerra, de princípios e normas que estabelecem deveres sociais no desenvolvimento da atividade econômica privada”[9].
O CC/2002 escancarou, na senda do que já sinalizava sem medos o Texto Maior de 1988, que todo o direito deve possuir um sentido, uma função social e, portanto, a propriedade e o contrato, elementos nucleares do capitalismo, devem ser encarados sob essa perspectiva que lhes serve, ao fim e ao cabo, de baliza e timão.
Neste caminho incipiente em busca do encontro “da vida com o Direito”, assomou um novo constitucionalismo, deixando à história o vetusto jusnaturalismo e o inconsequente positivismo, ao proporcionar um’outra leitura da função social da propriedade e do contrato e, também, novas possibilidades interpretativas.
Com a costumeira elegância e acuidade, verbera Barroso que o “pós-positivismo busca ir além da legalidade escrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais”[10].
A questão do pós-positivismo ganhou especial colorido na delicada seara do Direito das Obrigações[11], na qual o peso destas transformações se fez sentir fortemente, como e.g. no que respeita ao direito negocial, iniciando-se o que se convencionou denominar “dirigismo contratual”, visando nuclearmente (sob a influência do ascendente princípio da dignidade da pessoa humana) a proteção do vulnerável, do hipossuficiente, passando-se a interpretar a “nova” responsabilidade civil sob esta ótica valorativa, cuja “nota especial é a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas”[12].
Atualmente, expressões de amplíssima dimensão como “cláusulas gerais”[13], “conceitos indeterminados”, “solidariedade social”, “justiça distributiva” e “princípios constitucionais” povoam nossas sentenças respeitantes a pleitos indenizatórios de forma tão intensa quanto “dano”, “ato ilícito” e “nexo de causalidade”.
Portanto, é nesta “ambiência jurídica”, guiada pelos direitos fundamentais e pelo princípio da dignidade da pessoa humana, que se foi modelando a base para a repaginação da tábua valorativa que permeia a responsabilidade civil contemporânea, cujo centro agora reside no ressarcimento do dano, afastando-se da discussão, quando necessário, o conceito de culpa e até dispensando, eventualmente, em situações excepcionalíssimas, a demonstração do nexo de causalidade.
3. Um outro direito civil: socialidade, eticidade, efetividade, boa-fé objetiva e confiança
Conforme a lição do sempre oportuno e perspicaz Desembargador Sílvio Capanema[14], o novel Código Civil pode ser resumido em três palavras mágicas: socialidade, eticidade e efetividade (ou operabilidade, como defendem o Desembargador paulista Carlos Roberto Gonçalves[15] e o Professor Miguel Reale)[16]. A socialidade, diz ele, “significa uma passagem corajosa, de um modelo individualista, característico do século XIX, alicerçado nos velhos dogmas do Estado liberal, para um modelo umbilicalmente comprometido com a função social do Direito“. A liberdade de contratar mantém-se “como pilar do direito dos contratos, mas será exercida nos limites da função social do contrato.” A eticidade é o “resgate daquele princípio romântico da boa-fé subjetiva, mera exortação ética para uma boa-fé objetiva. O que se quer agora, nesse novo Código, são relações obrigacionais depuradas com a boa-fé e a probidade“, de maneira a prestigiar relações que se assentem em equações econômicas justas. A efetividade, finalmente, “significa uma mudança total de técnica. Abandonamos o engessamento do modelo legal. Abandonamos a tipicidade do modelo antigo. Abandonamos a figura do juiz ‘la bouche de la loi’, como queria Montesquieu. Abandonamos a figura do juiz conviva de pedra, indiferente diante do drama social. Abandonamos aquele juiz autômato, aplicador da lei, apenas, um juiz encastelado no alto de sua pirâmide de marfim, para um juiz que terá de ser o grande fiscal e fiscalizador das relações éticas e econômicas. Nós teremos, agora, um direito que realize, realmente, a Justiça“. E, para tanto, fomos instrumentalizados com as cláusulas gerais e princípios indefinidos, foi-nos dada a oportunidade de criarmos uma “jurisprudência principiológica”.
Agrego ao discurso a necessidade de revisitarmos o princípio da segurança jurídica (inserto no preâmbulo da Carta Maior), “dirigido à implantação de um valor específico, qual seja, o de coordenar o fluxo de interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Tal sentimento tranquiliza o cidadão, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza. Concomitantemente, a certeza do tratamento normativo dos fatos já consumados, dos direitos adquiridos e da força da coisa julgada, lhes dá a garantia do passado. Essa bidirecionalidade passado/futuro é fundamental para que se estabeleça o clima de segurança das relações jurídicas“[17].
Além dos princípios da socialidade, eticidade e efetividade (operatividade), o Código Civil de 2002 introduziu em nosso meio o conceito da “boa-fé objetiva” (bona fides), a qual significa, numa palavra, honestidade, lealdade, confiança, sinceridade, fidelidade[18]. Para Maria Helena Diniz[19], a expressão contempla a “lealdade ou honestidade no comportamento, considerando-se os interesses alheios, e na celebração e execução dos negócios jurídicos“. Não é demasiado recordar que “a boa-fé subjetiva busca a intenção do agente (se possuía ou não consciência do ato ou omissão), enquanto a boa-fé objetiva, consagrada pela doutrina e, agora, pela lei, exige do agente um padrão comum e correto de conduta, isto é, que a parte com a qual contrato porte-se como um homem honesto, leal e correto”[20].
E, como adverte Fernando Noronha[21], eventual violação dos deveres impostos pelo princípio da boa-fé – deveres de cuidado, informação (esclarecimento, conselho e advertência), assistência e lealdade –, os quais compõem os denominados deveres fiduciários, traduz-se em inapelável responsabilização do lesante.
No direito alienígena tem-se prestigiado, igualmente, o conteúdo em detrimento da forma, cabendo ao Juiz, também lá, no caso concreto, verificar/fiscalizar se o comportamento das partes encontra-se em conformidade com a boa-fé (socialmente admitida). É de Francesco Galgano, citado por Paula Miguel[22], o feliz excerto: “Spetta al giudice stabilire, in concreto, ciò che è secondo buona fede o è contrario ala buona fede; ma il giudice non si avvale di un proprio concetto di correttezza o di lealtà: deve tenere conto delle regole del costume, che possono essere molto più elastiche e spreguidicate del suo personale concetto di correttezza“.
Mais ainda, mesmo que “um certo comportamento seja expressamente autorizado por lei ou por contrato, será preciso verificar se a sua adoção, nas circunstâncias concretas, se conforma à dignidade humana e à solidariedade social. Só assim o ordenamento jurídico contemporâneo lhe assegurará tutela“[23].
Portanto, para bem compreendermos a responsabilidade civil contemporânea, esta dos tempos do wiki-tesarac que aqui busco esboçar, deve-se ter presente que o ordenamento jurídico nacional, ao prestigiar a função social do contrato, invertendo o ônus da prova, admitindo presunções de culpa, objetivando a responsabilidade e, com isso, ampliando as hipóteses de responsabilização ao ouvir, enfim, o “grito das vítimas”[24], repele e não se compraz com atitudes que demonstrem menoscabo pelos direitos humanos, à sua dignidade, à boa-fé objetiva, à justa expectativa dos contratantes, à confiança, à probidade contratual, à segurança jurídica e à previsibilidade.
4. O res perit domino e os elementos da responsabilidade civil
Res perit domino ou ainda casum sentit dominus são expressões que sintetizam a antiga ideia geral segundo a qual o dono suporta o prejuízo, quer dizer, o dano resultante da perda da coisa resta para o seu proprietário. Com temperos e nuances a seguir apresentados, a regra é mantida até hoje. Portanto, só se poderá falar na responsabilização de outro (retirando dos ombros do dono da coisa danificada o prejuízo) se houver uma razão jurídica para tanto. Daí surgirem os conceitos, hoje tão largamente por nós utilizados, de “culpa” e “risco”.
Assim, diz-se normalmente, para que haja responsabilização são necessários o ato (ação ou omissão) do lesante, a presença de culpa sua (culpa/dolo), a existência de um dano e, a “ligar” todos estes elementos, um nexo de causalidade. A “culpa”, veremos, entrou em “colapso”, ao tempo em que o nexo causal encontra-se fragmentado pelas novas teorias que o mitigam ou até, em certos casos-limite, dispensam.
5. Autonomia da vontade e responsabilidade civil – o “princípio da culpa”, seu “colapso” e o surgimento do “princípio do risco[25]”
O tempo das grandes codificações (século XIX) coincidiu ou foi, ao menos em larga medida, resultado do movimento econômico-liberal promovido pelas revoluções americana (1776) e francesa (1789), cujo mote era a “autonomia da vontade”, fundamento e razão de ser dos contratos. “ ‘Quem diz contratual diz justo’, era o aforismo posto em voga por Fouillée, um filósofo francês que intentava seguir na linha de Kant. Até a democracia idealizada pelos liberais era concebida em termos contratuais, desde Rousseau e seu Le contract social”[26].
A noção de culpa (de caráter moral, com forte colorido religioso) influenciou, pois, profundamente, a responsabilidade civil, assegurando justificativa ética ao dever de indenizar. Decorre disso que, para os liberais, só se poderia falar em responsabilidade civil na “medida da culpa” do lesante, pois a vontade (de determinar-se livremente) era o substrato da vinculação contratual bem “como o fundamento da responsabilidade por danos causados fora do contrato”[27].
O século XX, ápice do capitalismo industrial, viu-se marcado por duas grandes guerras, crises econômicas de dimensões globais (já apontando para a mundialização e interdependência dos mercados), avanços tecnológicos nas áreas de comunicação e transporte, bem como pela transfiguração da geopolítica planetária, exigindo nova postura ético-jurídica para enfrentamento da intrincada temática respeitante à “indenização” (indene, sem dano, incólume, ileso).
Em verdade, a introdução da “ideia de culpa” como fundamento da responsabilidade civil foi fruto de lenta evolução doutrinária, legislativa e jurisprudencial, pois que antes vigia uma espécie de “regra de imunidade”. Na prática, porém, mesmo com a “novidade” culpa, possibilitando (em tese) a responsabilização do lesante, o que se via era a perpetuação da “regra da imunidade”, principalmente naqueles casos em que necessária a demonstração do defeito na conduta (imperícia, imprudência, negligência) profissional. Exigia-se, para a responsabilização-indenização, algo que beirava à prova impossível, cunhada de probatio diabolica por Ripert.
Assim, como afirmado por Schreiber[28], foi necessário não discutir a culpa para poder indenizar as vítimas, passando legisladores, literatura e julgadores a admitir presunções, inversão de ônus da prova e até a responsabilidade objetiva (inclusive, excepcionalmente, na modalidade agravada), lançando mirada ao ressarcimento do dano, com a demissão da culpa do posto de elemento fundamental da responsabilidade civil (que prossegue, porém, no que se refere à responsabilidade subjetiva).
A “prova da culpa” restou enormemente facilitada, é verdade, mas não nos livramos do subjetivismo inerente à análise da conduta do suposto lesante, tocando ao Juiz, as mais das vezes, um papel de policy-maker, o que não escapa à crítica mordaz da boa doutrina (como faz pouco referi do trecho de Barroso).
Sobre o tema, assevera Fernando Noronha com singular propriedade que, doravante, afastada a necessidade de demonstração cabal da culpa do lesante, para efeitos de responsabilização, “mesmo quem os causou [os danos] sem culpa pode, em muitos casos, ser obrigado a indenizar porque, em princípio, ninguém deveria ser forçado a suportar o prejuízo sofrido por ação de outrem, ainda que não culposa”[29].
E complementa Noronha, sublinhando inequivocamente a mudança do eixo da discussão (pois que nossa preocupação deixou de ser a verificação da “culpa” do lesante para nos ocuparmos com a reparação do “dano”): “A teoria do risco ignora a ilicitude e leva a responsabilidade até domínios aonde a ideologia liberal não chegava, enfatizando a importância dos danos que são inevitáveis nas sociedades atuais, urbanizadas e industrializadas (acidentes de trabalho, de trânsito, de consumo, poluição) e a necessidade de sua reparação, ainda quando não seja atribuível a culpa a ninguém”[30]. E arremata, mais adiante, introduzindo a ideia já dominante do risco-atividade: “Hoje já são pontos assentes no Direito das Obrigações a necessidade de se procurar maior equilíbrio entre direitos e obrigações das partes nos contratos (justiça substancial) e de fazer recair sobre quem exerce profissionalmente uma atividade econômica, organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços, a obrigação de arcar com todos os ônus resultantes de qualquer evento danoso inerente ao processo produtivo ou distributivo (risco de empresa)”[31]. De fato, chega-se hoje a admitir, sem esforços ou “malabarismos” hermenêuticos, em casos especialíssimos, a responsabilidade por danos não causados pela pessoa responsabilizada nem por alguém dela dependente, desde que presente a conexão dano-atividade desenvolvida pelo responsabilizado.
Logo, pelo “princípio do risco”[32], os danos causados a outrem não devem ser suportados pela vítima, mas sim pelo respectivo causador (princípio da “causação”/não tolerância à violação dos direitos), sem se perquirir de dolo ou culpa (primum non nocere), uma vez que “quem exerce determinadas atividades, deve reparar os danos sofridos pelas outras pessoas, porque se o ordenamento reconhece ou atribui a cada um de nós direitos incidentes sobre a nossa própria pessoa ou sobre determinados bens externos, não devem ser toleradas violações deles, mesmo quando a pessoa responsabilizada tenha procedido com todos os cuidados exigíveis. Se alguém tem de suportar o prejuízo, não deve ser a pessoa que era titular do direito”[33].
6. A fragmentação do nexo causal
Nexo causal é o vínculo que se estabelece entre dois eventos, de modo que um represente sequência do outro, uma espécie de relação de causa e efeito, sendo por muitos considerado um segundo “filtro da responsabilidade” (o primeiro é a culpa), pois que se interrompido ou indemonstrado o nexo causal, não haverá o que indenizar.
Inúmeras são as teorias que dizem emprestar sustentação à causalidade, destacando-se quatro: (i) equivalência de condições; (ii) causalidade adequada; (iii) causalidade eficiente e (iv) causa direta e imediata[34].
A primeira (equivalência de condições) afirma que todos os antecedentes que concorreram, de alguma forma, para o dano, se equivalem. Seria o caso da responsabilização ad infinitum, vedada pelo Direito Penal, de que é exemplo eloquente a absurda criminalização do fabricante da arma utilizada pelo homicida.
A segunda (causalidade adequada) declara que a causa de um evento é a mais apta, em abstrato, à produção daquele resultado (previsibilidade e evitabilidade do dano).
A terceira (causalidade eficiente) afirma buscar a “verdadeira” causa do evento. O juízo de valoração não é “abstrato”, mas “concreto”, o que demonstra sua imprestabilidade, pois que nos mantém reféns de demasiado subjetivismo judicial.
A quarta (causa direta e imediata (ou da interrupção do nexo de causalidade)) assevera que causa jurídica é só aquela que se vincula diretamente ao dano, sem a interferência doutra condição sucessiva.
O Código Civil Brasileiro de 2002, ao que parece, optou por esta última justificativa, como se infere do disposto no seu artigo 403: Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.
O “mundo da vida”, todavia, logo fez ver a incompletude do argumento, formulando a doutrina uma subteoria denominada “necessariedade causal”, admitindo-se o dever de reparar quando o evento danoso for efeito necessário de determinada causa. Aplicou-a o Supremo Tribunal Federal no RE 409.203-RS/2006, ao contrário do que já entendera anteriormente, responsabilizando o Estado pela fuga de preso que praticara, foragido, outro delito, reconhecendo entre os fatos (fuga-novo crime) nexo causal a supedanear o pedido ressarcitório das vítimas, “ouvindo os seus gritos”.
Mais modernamente, mas ainda sem a consistência devida, toleram jurisprudência e doutrina hipóteses de responsabilização mesmo sem a verificação de nexo causal (responsabilidade civil agravada).
7. Da Indenização
O fim de todo processo judicial envolvendo responsabilidade civil é verificar se cabível ou não a pretensão autoral respeitante ao seu desejo ressarcitório.
Nos domínios do dano moral, segundo Bittar[35], o dano existe no próprio fato violador dos direitos da personalidade da vítima (“ex facto”), impondo a necessidade de resposta, que na reparação se efetiva. É o que se denomina “damnum in re ipsa”, havendo expressão italiana que sintetiza, à perfeição, tal posicionamento: Il remedio tipico della responsabilità civile è dunque il risarcimento del danno.
Diz a lei que a indenização é medida pela extensão do dano, mas quando da fixação do quantum debeatur, cumpre não olvidar o parágrafo único do artigo 944 do Código Civil, o qual permite ao Juiz, em havendo excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, reduzir, equitativamente, a indenização.
Em processo por mim recentemente julgado na Comarca de São Bento do Sul[36], condenei determinado nosocômio em face do falecimento de uma paciente ali internada, mas quando da fixação do valor da indenização, além de considerar a condição econômica da vítima e do hospital-demandado utilizei, pelas peculiaridades do caso concreto, o disposto no parágrafo único do citado dispositivo (enorme desproporção entre o triste resultado morte e os cuidados dispensados à paciente).
8. Tendências e novos horizontes da Responsabilidade Civil
8.1. Ampliação[37] dos danos merecedores de reparação, objetivação (declínio da culpa), responsabilidade coletiva (seguro) e solidariedade
O fenômeno da expansão das hipóteses de ressarcimento, repiso, tem-se verificado em todos os países ocidentais, em maior ou menor intensidade, pondo fim à “imunidade-impunidade”, à irresponsabilização diante da sabida dificuldade-impossibilidade de demonstração de culpa do lesante, por exemplo.
Neste caminhar ampliativo dos casos de responsabilização, além dos danos materiais (emergentes e lucros cessantes), também os danos anímicos (extrapatrimoniais)[38] passaram a ser ressarcíveis, havendo ainda a possibilidade de recomposição do dano estético, destacável e autônomo que se encontra no dano dito “moral”[39].
Para que os danos pudessem ser efetivamente reparados foi-se, a pouco e pouco, como visto alhures, esboroando o “filtro da culpa”, passando-se a admitir, primeiro, a responsabilidade sem culpa (objetiva), calcada no “risco” ou na “garantia”, até chegarmos ao modelo inacabado da responsabilidade fundada na ideia de solidariedade[40], também nominada de “seguro social”[41].
Portanto, como restou demonstrado, a reconfiguração da responsabilidade civil transita, obrigatoriamente, pela ampliação das hipóteses ressarcitórias, o que será revelado em todos os itens que se seguem.
8.2. Código de Defesa do Consumidor: direito à informação adequada e inversão do ônus da prova
No Brasil, sobre o tema (responsabilidade civil), assistimos a inovações (legislativas, interpretativas e comportamentais) de monta, verdadeiramente significativas, merecendo especial relevo, no contexto, o Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê, em seu artigo 6º, entre outros, como direito básico do consumidor, “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem[42]” e “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência” (incisos III e VIII, respectivamente).
Dois são, em meu sentir, os pontos mais destacáveis do artigo mencionado, aqui absolutamente pertinentes: primeiro, o direito do consumidor (e do paciente, por extensão) à informação adequada; segundo, nas hipóteses mencionadas (verossimilhança da alegação do consumidor-paciente ou constatação de sua hipossuficiência técnica, financeira ou informacional), a facilitação da defesa de seus direitos em juízo, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor.
De fato, doutrina[43] e jurisprudência densificaram tais “princípios”, confirmando ser dever inarredável do fornecedor (de produtos e serviços) a “ampla publicidade ao mercado de consumo a respeito dos riscos inerentes a seus produtos e serviços”[44], bem como admitindo se proceda à inversão do ônus da prova, como de fato amiúde se verifica, no momento da sentença[45], uma vez que se trata de regra de julgamento, e não de regra de procedimento, posição esta confirmada em acórdão do Superior Tribunal de Justiça (AgRgMC 11.970/RJ).
Logo, hoje, não há falar em responsabilidade civil sem, concomitantemente, discorrer sobre direito consumerista.
8.3. Concurso de responsabilidades civil e negocial – responsabilidade supranegocial (ou supracontratual) e a cláusula neminem laedere
Emblemática situação pode suceder quando o dano sofrido por alguém decorra, ao mesmo tempo, (i) do inadimplemento de um contrato pela outra parte e que sejam constitutivos, de toda forma, (ii) de responsabilidade civil geral. No caso, o dano surge no desenvolver da relação negocial, “mas em circunstâncias tais que os fatos ocorridos sempre seriam suficientes para originar uma obrigação de indenizar, mesmo se abstraíssemos do contrato (ou do negócio unilateral)”[46]. Comenta Noronha que “esta relação concursal é especialmente importante para responsabilidades como as do médico, do transportador, do construtor, do fornecedor de produtos e serviços e, em geral, para as demais que podem ser chamadas de “profissionais”[47].
Com efeito, no caso, “há ofensa a deveres que são independentes da relação estabelecida, razão por que sempre se imporiam às partes, mesmo que o negócio não tivesse sido celebrado. (…) Ela com frequência está ligada à pura e simples violação de deveres gerais de “neminem laedere”, em relação aos quais não se justificará falar em violação do dever geral de agir de acordo com a boa-fé, ainda que evidentemente este se insira dentro daqueles (isto é, seja também um dever de “neminem laedere”). (…) Um exemplo característico de responsabilidade supranegocial é a relacionada com a obrigação geral de incolumidade, que incide sobre quem exerce atividades profissionais que têm por objeto outras pessoas, havendo de preservar a integridade psicofísica destas, como é o caso da medicina e do transporte de passageiros. Devido à sua natureza de dever geral, a incolumidade das pessoas não pode ser objeto de contrato, mesmo que o contrário seja defendido pela generalidade da doutrina”[48].
8.4. Os punitive damages no cálculo da indenização
Categoriza a doutrina três funções para a responsabilidade civil geral: a primeira e fundamental, diz-se reparatória; a segunda, preventiva (de novas lesões praticadas pelo demandado ou por outro lesante); a terceira, sancionatória (ou punitiva)[49].
Interessa-me, neste estudo, apresentar a terceira delas, a sancionatória, posto que ainda não completamente entendida em sua amplitude adequada.
No que pese ainda encontrarmos alguma resistência de determinados setores da doutrina, têm os Tribunais maciçamente aderido à teoria do punitive damages[50], os quais surgiram, como se sabe, no Reino Unido do século XVIII, como defesa aos abusos do poder praticados por funcionários públicos e empresas privadas (exemplos paradigmáticos de sua utilização à época temos nos casos Huckle v. Money e Wilkes v. Wood), exercendo a função equivalente à de “pena privada”.
Em tempo bem mais recente (1981), acompanhou-se sua adequada aplicação no famoso caso Grimshaw v. Ford Motor Co., também conhecido como Pinto Case ou Exploding Case. Neste episódio, houve o público reconhecimento de defeito no fabrico de veículo pela Ford Co., que explodira ao colidir em razão da fragilidade do material utilizado no tanque de combustível, ocasionando a morte do motorista e ferimento nos demais ocupantes do carro. Mais grave, a empresa sabia do defeito e, digamos assim, “assumiu o risco” pelas indenizações possíveis, optando por manter o design original uma vez que, segundo depoimento judicial prestado por seu CEO, em tal hipótese (pagamento de indenização) os lucros seriam superiores à mudança proposta pelo setor de engenharia da empresa. Como resposta punitiva (punitive damages), o Tribunal da Califórnia condenou a Ford Co. ao pagamento de indenização no valor de 4,5 milhões de dólares às vítimas (compensatory damages), e aplicou o punitive damages na ordem de 125 milhões de dólares.
8.5. O Dano in re ipsa
Quando atuei na 3ª Vara Cível da Comarca da Capital (Florianópolis) como Juiz de Direito Substituto, no ano de 1993 (a cinco anos apenas da promulgação da Constituição Federal vigente, a qual introduziu, vimos, o ressarcimento do dano moral em seu artigo 5º), espantava-me ter de realizar audiências de instrução e julgamento com a finalidade de caracterizar o “dano” sofrido pelas vítimas de, por exemplo, inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito. Num caso dramaticamente mais grave, tive de ouvir a vítima (uma senhora) que havia contraído o então desconhecido mas letal vírus HIV de adolescentes fugitivos de instituição estatal na qual cumpriam medida socioeducativa.
À época, entendia-se necessário caracterizar o “dano” experimentado pelas vítimas, ali traduzido por “dor”, devendo o Juiz perguntar às testemunhas e vítima se esta, efetivamente, havia se sentido mal com a situação, se havia comentado o caso com os amigos, se havia perdido o apetite, sentia-se apático, emagrecera…
Felizmente, passados alguns anos, viu-se quão absurda, humilhante (para a vítima) e inútil era a colheita dessa “prova” (ouvir-se o lesado e suas testemunhas), verificando-se que em tais situações o dano era in re ipsa, quer dizer, decorrente do próprio fato e da experiência comum e, em hipóteses tais, ficava dispensada a “prova” do “dano” anímico, sendo ele intuitivo, emergente das circunstâncias em que se desenrolaram os fatos. Logicamente, quem viu seu nome indevidamente inscrito no SPC ou no SERASA não precisa provar que teve o crédito negado quando foi ao mercado, sentindo-se humilhado por ter sido o fato presenciado por outras pessoas. O mesmo ocorre com o consumidor que tem o fornecimento de água indevidamente “cortado” pela empresa de abastecimento, quando experimenta longo atraso de voo e até quando é vítima de roubo em supermercado[51]. O “dano” surge e deve ser ressarcido independentemente da demonstração de “dor” e “humilhação”.
Não há dúvidas de que a adoção desta postura – considerar-se o dano anímico como in re ipsa – contribuiu enormemente para o fim da “imunidade” ressarcitória.
8.6. Responsabilidade objetiva agravada
Tem a “teoria do risco” ocupado, merecidamente, largo espaço nos manuais de responsabilidade civil. Na evolução rumo à reparabilidade integral dos danos, porém, verificou-se que mesmo a adoção do “risco” como fundamento para o ressarcimento tornou-se insuficiente quando testado em alguns casos-limite, tendo-se de partir, finalmente, para a fragmentação do nexo de causalidade (aquele liame a conectar o dano acontecido com a atuação do responsável), pois que a “teoria da culpa” já fora superada[52].
E é este esboroamento do nexo causal (para o fim de responsabilização) que se denomina “responsabilidade objetiva agravada”.
Ensina Noronha que “dentro da responsabilidade objetiva é possível distinguir duas espécies, que chamaremos de ‘objetiva comum’ e ‘agravada’. Em ambas prescinde-se da culpa; as duas têm por fundamento um risco de atividade, mas este é diferente numa e noutra. Na comum, exige-se que o dano seja resultante de ação ou omissão do responsável (embora não culposa), ou de ação ou omissão de pessoa a ele ligada, ou ainda de fato de coisas de que ele seja detentor. Na agravada, vai-se mais longe e a pessoa fica obrigada a reparar danos não causados pelo responsável, nem por pessoa ou coisa a ele ligadas; trata-se de danos simplesmente acontecidos durante a atividade que a pessoa responsável desenvolve. (…) são riscos inerentes, característicos ou típicos dessa atividade.[53] (…) Poderíamos dizer que a responsabilidade civil agravada é aquela que vai além do ‘risco que tal espécie [de atividade] faz naturalmente correr’”[54].
8.7. Novas teorias
Ao lado da inversão do ônus da prova, das presunções, das responsabilidades objetivas comum e agravada, da responsabilidade supranegocial, dos punitive damages e da adoção do dano in re ipsa, inúmeras outras teorias estão a surgir, eclipsando a culpa e dissolvendo o nexo causal, a fim de permitir o efetivo ressarcimento das vítimas.
8.7.1. Danno esistenziale
Na Itália, como substrato de suas decisões, têm os Tribunais aplicado a teoria do danno morale affetivo, fundado na existência de danno esistenziale, surgida a partir da prolação de duas famosas sentenças pela Corte de Cassação (são elas a nº500/99 e a nº7.713/2000[55]), dizendo-se existir um “‘tertium genus’ no âmbito da responsabilidade civil, distinto do tronco do dano patrimonial e do dano moral; uma realidade centrada no ‘fazer não remunerado’ da pessoa (…)”[56].
8.7.2. Teoria do fortuito interno
Mais ligada à atividade do lesante, vimos surgir a “teoria do fortuito interno” aplicável, em linha de princípio, apenas à responsabilidade objetiva, pois a simples imprevisibilidade desconfigura o ilícito calcado na culpa. Decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com espeque nesta: “Relação consumerista. Aluguel de cofre. Depósito. Assalto. Caso fortuito. Inexistência. Hipótese de fortuito interno, caso em que o fato de terceiro não exime o fornecedor do dever de indenizar. Prova de que havia bens de valor imaterial, a ensejar dano moral e justificar a verba compensatória arbitrada. Demanda destituída de maior complexidade, pelo que a verba honorária deve ser fixada no mínimo legal. Recursos desprovidos.” (TJRJ, Apelação Cível 2005.001.03378, j. 20.4.2005). E ainda: “Responsabilidade civil. Dano moral. Inscrição indevida do nome do autor nos cadastros dos serviços de proteção ao crédito. Contrato firmado por terceiro com o uso de documento falso. Fortuito interno. Dever de indenizar. Se o valor da indenização foi fixado de forma razoável, mensurando, adequadamente, as circunstâncias do evento, suas consequências, o grau de reprovabilidade da conduta do agente causador, não discrepando, significativamente, dos parâmetros adotados por esta Câmara para situações semelhantes, não há por que se reformar o julgado. Improvimento do primeiro recurso e parcial provimento do segundo.” (TJRJ, Apelação Cível 2004.001.31220, j. 1.3.2005).
8.7.3. Perda de uma Chance[57]
No ano de 2000, uma senhora que participava de programa televisivo de perguntas e respostas, transmitido ao vivo para todo o país, estava prestes a receber o prêmio máximo: R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Na última pergunta, desistiu, pois desconhecia a resposta correta, optando pelo prêmio parcial até ali conquistado. Depois, porém, verificou que a pergunta fora mal formulada pela produção do programa, inexistindo réplica possível. Ingressou com ação judicial buscando a integralização do prêmio (recebera, por ter chegado até aquele nível, R$ 500.000,00 e pretendia, com a demanda, os outros R$ 500.000,00), sendo que a Juíza e o Tribunal de seu Estado condenaram a empresa televisiva como foi pedido. O processo, paradigmático no Brasil, chegou ao Superior Tribunal de Justiça[58] e este aplicou a “teoria da perda de uma chance”, reconhecendo que a pergunta apresentada não possuía viabilidade lógica, mantendo à rede de TV o dever de ressarcir a participante naquilo que razoavelmente havia deixado de lucrar, “pela perda da oportunidade”. No cálculo, todavia, ao invés dos R$ 500.000,00 pretendidos, foi condenada em R$ 125.000,00, uma vez que a autora possuía a séria e real probabilidade, pelo seu desempenho até então, de acertar a resposta, mas como havia quatro alternativas (letras “a”, “b”, “c” e “d”), entendeu-se que, se resposta possível existisse, sua “chance” de responder acertadamente era de 25% (vinte e cinco por cento), utilizando-se este percentual para cálculo do quantum (1/4 de R$ 500 mil = R$ 125 mil).
A “doutrina” da perda da chance encontra-se pouco desenvolvida entre nós, havendo porém obras de relevo já editadas no Brasil[59]. Todavia, remonta o instituto ao final do século XIX, tendo sido primeiramente aplicado na França[60] e logo na Itália e Grã-Bretanha[61], sendo largamente incorporado aos contratos internacionais[62].
Vale destacar, ainda, que para a caracterização da “perda da chance”, deve a probabilidade perdida ser real, atual e séria, conforme vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça[63], como na hipótese de perda de prazo recursal por Advogado[64].
8.7.4. Thin skull rule, causalidade alternativa e teoria do escopo da norma violada
O desejo de verem-se ressarcidos os danos causados às vítimas fez com que se buscasse no direito penal, também, o substrato de “novas teorias indenizatórias” como ocorreu, por exemplo, na “responsabilidade pelo resultado mais grave” (thin skull rule, do direito penal norte-americano), pelo qual as condições pessoais de saúde da vítima e predisposições patológicas não implicam diminuição da responsabilidade do agente lesante, nem tampouco diminuição do valor indenizável.
Também neste norte apresenta-se a teoria da “causalidade alternativa”, conhecida como “autoria anônima” no direito alemão. Aqui, havendo lesão (dano), é possível identificar o grupo, mas impossível determinar precisamente o causador, sendo certo que nem todos contribuíram para o evento. Exemplo paradigmático seria o effusum et deiectum, optando-se sempre pela responsabilização de todos (grupo), pois do contrário ficaria a vítima sem ressarcimento.
Modernamente, diante dos “novos riscos” assumidos e dos “novos danos” criados pela sociedade contemporânea, vê-se surgir a necessidade de outros fundamentos para a caracterização da responsabilidade civil. É necessário, diz Noronha, “para que um dano seja reparável, que ele seja lesão de um bem protegido pelo ordenamento jurídico, isto é, que tenha cabimento no âmbito de proteção, ou escopo, da norma violada. Será o exame da norma jurídica que foi violada, será a sua ‘ratio legis’ que esclarecerá quais são os valores e interesses tutelados, quais são em especial os danos que podem ser reparados e quais são as pessoas que a norma intenta proteger. (…) A ‘teoria do escopo da norma violada’ é que nos dará a razão da limitação pelo ordenamento jurídico do princípio da reparação ampla e geral de todos e quaisquer danos a todas e quaisquer pessoas lesadas”[65].
8.7.5. The last clear chance
Uma das teses de bloqueio mais utilizadas (e ainda largamente admitida pela jurisprudência[66]) para afastar ou mitigar o dever de indenizar situa-se numa zona cinzenta do Direito e pouco iluminada pela doutrina: a “concorrência de culpas” ou “concorrência de atos produtores do dano”. Por vezes, basta à defesa levantar dúvida razoável acerca da conduta do motorista do veículo da vítima envolvida no acidente, por exemplo, para desresponsabilizar o lesante ou minorar significativamente o valor indenizável.
Penso que possamos, contudo, em situações tais, utilizar a teoria norte-americana da causa próxima, the last clear chance. “Por ela, a parte que teve por último a oportunidade de evitar o dano, não obstante a negligência ou imprudência da outra, é responsável pelo evento. (…) Em lugar de se apurar quem teve a ‘última’ oportunidade, o que se deve verificar é quem teve a melhor ou mais eficiente, isto é, quem estava em melhores condições de evitar o dano, de quem foi o ato que decisivamente influiu para o dano. Isso, aliado à indagação da idoneidade da culpa na produção do dano, dará critério seguro para a solução exata do tormentoso problema da concorrência de culpa ou concorrência de atos produtores de dano”[67].
9. Consideração final
A inextrincável complexidade social, nestes tempos de wiki-tesarac, amplificou a capacidade normativa do direito e resultou na aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas, “‘levando a que as sociedades contemporâneas se vejam, cada vez mais, enredadas na semântica da justiça’”[68].
Ocorreu, assim, uma marcada “invasão do direito na organização da vida social”, ou uma “judicialização das relações sociais”, tema este viva e umbilicalmente relacionado à questão de fundo dos novos direitos: o “problema da cidadania” e sua dimensão democrática. E quais seriam as possíveis causas desse singular fenômeno? Para Pedro Manoel Abreu[69], citando Bobbio, o processo da multiplicação dos direitos se dá por três razões principais: primeiro, “pelo aumento de bens a serem tutelados; depois, pelo crescimento do número de sujeitos de direito; e, por fim, pela ampliação do tipo de ‘status’ dos sujeitos”.
Assim, se por um lado vivemos o átimo da reafirmação da vida plural, tolerante e aberta à diversidade – o que nos afasta de qualquer tipo de regulação das relações privadas –, por outro, não poderão os novos direitos sobreviver sem a forte presença do Estado, o que não deixa de ser paradoxal.
A “nova” responsabilidade civil, filha dileta do pós-positivismo, transfigurada pelo chamamento de um restaurado e multifacetado tecido social, causadora de estupefato em tantos, é fruto dessa evolução desorganizada e assimétrica do Direito, respondendo (talvez de maneira demasiado vigorosa) à imunidade e desresponsabilização a que nos acostumamos nas décadas passadas.
Como procuramos demonstrar, os “novos direitos” implicaram o surgimento de novas teorias da responsabilidade civil (danno esistenziale, teoria do fortuito interno, perda de uma chance, thin skull rule, causalidade alternativa, teoria do escopo da norma violada e the last clear chance, para citar apenas algumas), temperadas agora pela socialidade, eticidade, efetividade, boa-fé objetiva, confiança, pela constatação do colapso da “culpa”, da “fragmentação do nexo causal e pelo aparecimento do “princípio do risco”, tudo com vistas a afastar o direito das amarras de um formalismo exacerbado que dificultava e, em muitos casos, impedia a reparação do dano injusto, deixando vítimas e vulneráveis à própria sorte, aproximando, enfim, a noção do Direito à de Justiça.
10. Referências bibliográficas
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11. Notas
[1] SCHREIBER, Anderson . A Proibição de Comportamento Contraditório – Venire contra factum proprium e tutela da confiança. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. 1. 308 p. [2] “Através dos meios massivos de comunicação, a sociedade fica em uma situação de representação permanente, apresentando-se imediatamente a si mesma e fazendo com que os grupos não experimentem mais da mesma maneira a necessidade de se organizar para existir” NOGUEIRA, Marco Aurélio. As possibilidades da política. Ideias para a reforma democrática do Estado. São Paulo: Paz e Terra, 1998. v. 1., p. 226. [3] HSM Management, nº 81, ano 14, ed. julho/agosto 2010, p. 54. [4] Mais que nunca, ressoam atualíssimas as jocosas observações de Grouxo Marx: “Estes são os meus princípios. Se você não gosta deles, eu tenho outros”. [5] Um exemplo eloquente: em 31/12/2007, foi publicada em Portugal a Lei nº 67/2007 que, em termos gerais, vem definir o regime pelo qual se passa a reger, naquele país, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, não só pelo exercício da função administrativa, mas também pela administração da justiça e pelo exercício da função legislativa o que, até onde sei, trata-se (esta última) de inovação sui generis. [6] Explicita Noronha que “por trás dos interesses estão valores, e são estes (ou os princípios ético-jurídicos em que eles se traduzem) que devem orientar o pensamento jurídico”, fazendo expressa referência às conhecidas lições de Dworkin e Alexy, traçando a cronologia do conhecimento jurídico na área, que vai da “jurisprudência dos conceitos”, passa pela “jurisprudência dos interesses” e culmina na “jurisprudência dos valores (ou dos princípios)”. NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 104. Merece destaque, neste ponto, a espetacular e empolgante abordagem realizada por Pedro Manoel Abreu acerca dos fundamentos políticos e constitucionais do acesso à justiça, bem como sua lúcida e singular visão respeitante à judicialização das relações sociais. ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, 280p. [7] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 3ed., Coimbra: Almedina, 1998. [8] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, 3ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. [9] TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil, 2 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001. [10] BARROSO, Luís Roberto. A constitucionalização do direito e o direito civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008, p. 238-61. [11] “Dificilmente haverá no direito civil matéria mais vasta, mais confusa e de mais difícil sistematização do que a responsabilidade civil. Mudança profunda passou a sofrer a teoria da responsabilidade civil a partir do último quartel do século XIX, acentuando-se ao longo do século XX, em consequência dos fenômenos da industrialização, acentuada urbanização e massificação da sociedade. É o que alguns chamam de era do maquinismo. A vida em conglomerados urbanos acarretou a multiplicação dos acidentes, com a disseminação do uso de máquinas no processo industrial e no quotidiano das pessoas, operou-se sensível modificação na orientação da doutrina e da jurisprudência para o tratamento das questões relativas à responsabilidade civil. “Surgiu então a necessidade de socorrer as vítimas (Mazeaud & Mazeaud, leçons de droit civil, Paris, Ed. Montchrestien, 1956, p. 302)”. FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo código. In: SARLET, Ingo Wolfgang. O novo código civil e a constituição, 2 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 171-218. [12] BARROSO, Luís Roberto. A constitucionalização do direito e o direito civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008, p. 238-61. [13] De fato, entende-se que a cláusula de responsabilidade pode consistir numa “cláusula geral de responsabilidade alargada”, opções italiana e francesa, ou por pequenas “cláusulas gerais”, como o fizeram o BGB, o Código Civil português e o nosso CC/2002. [14] CAPANEMA, Sílvio. O novo código civil, Rio de Janeiro: CEDEs-TJRJ, 2002, p. 40/42. [15] GONÇALVES, Carlos Roberto. Principais inovações no código civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2003. [16] REALE, Miguel. Principais controvérsias no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2003. [17] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008. [18] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Enciclopédia Saraiva do direito. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 489. [19] DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1, p. 422. [20] TRINDADE, Roberto Júlio. O princípio da boa-fé objetiva no direito privado alemão e brasileiro. Revista do Direito do Consumidor, 23-24/199, jul.-dez. 1997. [21] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 446. [22] MIGUEL, Paula Castello. Contratos entre empresas. São Paulo: RT, 2006. [23] SCHREIBER, Anderson . A Proibição de Comportamento Contraditório – Venire contra factum proprium e tutela da confiança. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. 1. p. 64. [24] A expressão escolhida – “grito das vítimas” – é evidente alusão ao movimento denominado “grito dos excluídos”, da CNBB, cujo “dia do grito” ocorre, no Brasil, todo 7 de setembro. [25] “Quem exerce determinadas atividades, suscetíveis de causar danos a terceiros, terá, como contrapartida dos benefícios que aufere, de suportar os danos que sejam eventualmente ocasionados a outrem. São essencialmente três os riscos de atividade (cf. art. 927, parágrafo único) que fundamentam a responsabilidade objetiva: o risco de empresa, o risco administrativo e o risco-perigo. (…) Na evolução do direito da responsabilidade civil, a ideia do risco-perigo precedeu as do risco de empresa e administrativo mas, com o desenvolvimento destas, passou a assumir um papel meramente complementar delas.” NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 485. [26] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 114. [27] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 114. [28] SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. [29] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 117. [30] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 117. [31] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 341. [32] Na verdade, lembra Facchini Neto, “a ideia genérica de responsabilidade objetiva (= independente de culpa) abrange uma miríade de teses e enfoques diversos – sendo mais importantes as teorias do risco- proveito, risco-criado, ideia de garantia e responsabilidade objetiva agravada”. FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo código. In: SARLET, Ingo Wolfgang. O novo código civil e a constituição, 2 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 171-218. [33] “Dentro da teoria do risco-criado, destarte, a responsabilidade não é mais a contrapartida de um proveito ou lucro particular, mas sim a consequência inafastável da atividade em geral. A ideia do risco perde seu aspecto econômico, profissional. Sua aplicação não mais supõe uma atividade empresarial, a exploração de uma indústria ou de um comércio, ligando-se, ao contrário, a qualquer ato do homem que seja potencialmente danoso à esfera jurídica de seus semelhantes. Concretizando-se tal potencialidade, surgiria a obrigação de indenizar. Uma outra ideia que encontra abrigo no amplo espectro da responsabilidade objetiva é a de garantia, que é particularmente eficiente para explicar certas espécies de responsabilidade objetiva, como quando o autor direto do dano é desprovido materialmente de bens ou renda. Ou seja, o legislador, exemplificativamente, ao responsabilizar os preponentes pelos atos dos prepostos, teria visado a assegurar às vítimas a efetivação de seu direito à indenização dos prejuízos injustamente sofridos, direito este que restaria seriamente comprometido se dependesse unicamente da solvabilidade do autor direto do ato danoso. Como refere Karl Larenz, ‘não se trata, como no direito penal, de reagir frente ao fato culpável, mas sim de levar a cabo uma justa distribuição dos danos: quem causa um dano a outrem por meio de um ato antijurídico, ainda de modo apenas ‘objetivamente’ negligente, está mais sujeito a ter de suportar o dano do que aquele que diretamente o sofreu, sem ter contribuído para o evento’.” NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 433. [34] SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2009. [35] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p. 203. [36] Processo nº 058.03.004272-8, da comarca de São Bento do Sul/SC, por mim sentenciado em 15/7/2010. [37] Veja-se, como exemplo, a amplitude que o tema “responsabilidade” vem adquirindo na Itália. Em março de 2008, a Corte de Cassação Italiana, seção 4 – Penal, confirmou pena imposta a um médico psiquiatra, entendendo que a suspensão de tratamento de paciente sob seus cuidados deu-se de maneira imprudente, daí decorrendo o agravamento da patologia e recrudescência de sua periculosidade, tendo o paciente agredido e assassinado um dos funcionários da comunidade. Confira-se: Corte di Cassazione, Sezione 4 Penale – sentenza del 11 marzo 2008, n. 10795. “La Corte ha confermato la condanna di um medico psichiatra, il quale, riducendo e poi sospendendo in maniera imprudente il trattamento farmacologico cui era sottoposto um paziente ricoverato da uma comunità, in modo tale da renderlo inidoneo a contenere la pericolosità, aveva determinato l’aggravamento della patologia e una recrudescenza della pericolosità, tali de avere provocato la crise nel corso della quale lo stesso paziente aveva aggredito ed ucciso uno degli operatori della comunità”. Feliz e oportuna a lembrança de Noronha, para quem “é preciso ter sempre presente que acima dos deveres (e direitos) das partes, pactuados por elas ou estabelecidos na lei aplicável ao contrato celebrado, estão os deveres gerais de conduta que são impostos por leis e princípios superiores do ordenamento. Por exemplo, o dever do médico de cuidar com diligência e perícia do paciente resulta de preceitos da deontologia médica, que estão situados em nível superior ao de qualquer contrato de prestação de serviços. Os danos resultantes da respectiva violação serão cobertos pela responsabilidade civil em sentido estrito, não pela negocial (contratual)”. NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 500. [38] Constituição Federal, artigo 5º, incisos: V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. [39] Ementa nº 387, da súmula do STJ: É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.
[40] “Jean Guyenot e René Savatier, por exemplo, afirmam que as tendências contemporâneas se traduzem por um movimento em direção à socialização da responsabilidade e dos riscos individuais, ao término do qual toda a vítima de um acidente deverá estar virtualmente certa de ser indenizada. Nesse sistema, o Estado absorveria todos os riscos e os redistribuiria por todo o corpo social, através de um imposto. Assim, o prejuízo de um seria suportado, afinal, por todos”. FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo código. In: SARLET, Ingo Wolfgang. O novo código civil e a constituição, 2 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 171-218. [41] “Na atualidade, a necessidade de reparar alguns danos de especial relevância, como os resultantes de acidentes de trabalho, é tão premente que, em relação a eles, já nem sequer é suficiente a responsabilidade objetiva, sendo possível dizer-se que já estamos entrando numa nova era, do ‘seguro social’”. NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 407. [42] Paulo R. Roque A. Khouri destaca que, ” ao deixar de informar adequadamente ao consumidor sobre os bens e serviços que está adquirindo, o fornecedor está deixando de ser transparente. A falta dessa transparência pode conduzir o consumidor a decisões equivocadas de consumo. Dispondo de informações suficientes, evidente que sua decisão quanto a adquirir ou não bens de consumo tenderá a maior racionalidade, evitando, por conseguinte, a aquisição de bens desnecessários ou a celebração de contratos desvantajosos. Em outras palavras, a não-disponibilização de informações essenciais ao consumidor acaba por violar a boa-fé objetiva nessa relação“. E “na aquisição de produtos e serviços é comum que informações prestadas pelos fornecedores sejam o instrumento mais importante de persuasão do consumidor“. Assim, o “direito à informação busca evitar que esta persuasão se dê de modo abusivo, aproveitando-se da debilidade natural do consumidor” (Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 72). Rafael Peteffi da Silva ressalta, de seu lado, que “a observação sobre o dever de informar entre as partes, mormente em uma época de intensas relações de consumo, tem sido uma das características mais importantes para uma saudável relação obrigacional complexa, determinada pela atuação do princípio da boa-fé objetiva” SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2007. p. 155. [43] Por todos, consultar a singular obra de: BENJAMIN, Antônio Herman. MARQUES, Cláudia Lima. BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 421p. [44] “A comercialização livre do medicamento SURVECTOR, com indicação na bula de mero ativador de memória, sem efeitos colaterais, por ocasião de sua disponibilização ao mercado, gerou o risco de dependência para usuários. A posterior alteração da bula do medicamento, que passou a ser indicado para o tratamento de transtornos depressivos, com alto risco de dependência, não é suficiente para retirar do fornecedor a responsabilidade pelos danos causados aos consumidores. O aumento da periculosidade do medicamento deveria ser amplamente divulgado nos meios de comunicação. A mera alteração da bula e do controle de receitas na sua comercialização, não são suficientes para prestar a adequada informação ao consumidor. A circunstância de o paciente ter consumido o produto sem prescrição médica não retira do fornecedor a obrigação de indenizar. Pelo sistema do CDC, o fornecedor somente se desobriga nas hipóteses de culpa exclusiva do consumidor (art. 12, §3º, do CDC), o que não ocorre na hipótese, já que a própria bula do medicamento não indicava os riscos associados à sua administração, caracterizando culpa concorrente do laboratório” (STJ, REsp 971845/DF, rela. Mina. Nancy Andrighi. DJe 01/12/2008). [45] NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil em vigor. 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 530. [46] Na doutrina estrangeira percebe-se certa indefinição (e enorme preocupação com os desdobramentos daí decorrentes) no que tange à natureza da responsabilidade médica, havendo quem a caracterize como “contratual” (rectius, negocial) e outros como “extracontratual”. Por todos, consulte-se o excelente artigo de MUÑOZ, Mónica Lucía Fernandez. Nuevas perspectivas en el tema de responsabilidad por la estructura sanitaria. Estudio de derecho italiano. Revista de derecho de la Universidad de Concepción, Chile, enero-junio 2002, p. 81-118. [47] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007. [48] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 456-7. [49] Excelente síntese das funções da responsabilidade civil pode ser encontrada em Fernando Noronha, Direito das Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 436-9. [50] Veja-se, por exemplo, TJSC-AC n. 2009.061859-8, da Capital, Relator em. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. publicado em 2/8/2010. [51] STJ: AgRg no Ag 1271858 / RJ, j. em 16/04/10; REsp 299532 / SP, DJe 23/11/2009; REsp 582047 / RS, DJe 04/08/2009 e AgRg no Ag 1292131 / SP, DJe 29/06/2010. [52] “Nesta (responsabilidade civil agravada), a pessoa responde por danos apenas conexos com a sua atividade. Mas estes ainda são casos de responsabilidade pelo risco. (…) A responsabilidade objetiva agravada insere-se no final de uma evolução que começou quando, num primeiro momento, se reconheceu que o requisito culpa não era sempre imprescindível para o surgimento da obrigação de indenizar. (…) O exercício de determinadas atividades, suscetíveis de causar danos a terceiros implicava, como contrapartida dos benefícios que elas proporcionavam ao agente, o ônus de suportar os danos que eventualmente fossem causados a outrem. Foi por isso que se construiu a teoria da responsabilidade objetiva. Agora estamos entrando num segundo momento, no qual se verifica haver hipóteses especiais em que se prescinde também de nexo de causalidade, para se passar a exigir unicamente que o dano acontecido possa ser considerado risco inerente à própria atividade em causa, risco característico ou típico dela”. NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 488. [53] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 486. [54] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 487. [55] No caso da sentença nº 7.713/2000, certo pai foi processado criminalmente por abandono material do filho menor, restando absolvido do crime ao alegar que a criança nunca esteve realmente necessitada, pois sempre sustentada pela mãe. Ingressou o filho, porém, com ação civil indenizatória contra o pai, requerendo ressarcimento pelos danos pessoais sofridos, “sia sotto il profilo affettivo che economico”, em consequência do comportamento “intenzionalmente e pervicacemente defatigatorio del padre naturale”. A ação foi julgada procedente por ter o pai violado um direito fundamental da vítima (filho e menor), decisão esta que foi confirmada pela Corte de Cassação, reconhecendo ter sido o comportamento injusto do pai (que proposital e desfundamentadamente retardara o cumprimento de sua obrigação alimentar) causador de dano moral ao filho, ferindo-lhe o fundamental direito de ser tratado com dignidade, quer por sua condição de filho, quer por se tratar de menor. [56] CENDON, Paolo. Premessa – La giurisprudenza del danno esistenziale, de Giuseppe Cassano. Piacenza: La Tribuna. 2002. p. 11-12. [57] “‘Chance’ é palavra de origem francesa que significa ‘oportunidade, sorte, felicidades’, sendo essa “polissemia destacada pelo juiz Moisan, na decisão da Cour d’Appel do Quebeque Laferrièrre v Lawson sublinhando, em particular, que o termo ‘chance’ pode ser entendido como sorte (e, nessa medida, fá-lo equivaler à noção de álea) ou de possibilidade de obter algo”. PEDRO, Rute Teixeira. A responsabilidade civil do médico. Reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p.179. [58] STJ, REsp 788459/BA, j. 08/11/2005, publ. DJ 13/3/2006, p. 334. [59] Cito, por todos, a excelente monografia de SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2007. Vale referir, também, o singular trabalho desenvolvido por NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, o qual anota a possibilidade de indenização pela “frustração da chance de evitar um dano, por violação de um dever geral de informação”, à p. 459. [60] Decisão da Chambre des Requêtes, de 1889. [61] Decisão da English Court of Appeal, de 1911, no caso Chaplin v. Hicks. [62] UNIDROIT, artigo 7.4.3 dos “princípios relativos aos contratos comerciais internacionais”, item 2: a perda de uma expectativa pode ser reparada na medida da probabilidade da sua realização. [63] “I – A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio, sendo imprescindível para a responsabilização do referido profissional a demonstração de culpa e de nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado, tratando-se de responsabilidade subjetiva; II – O Tribunal de origem reconheceu a inexistência de culpa e de nexo de causalidade entre a conduta do médico e a morte da paciente, o que constitui fundamento suficiente para o afastamento da condenação do profissional da saúde; III – A chamada “teoria da perda da chance”, de inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável.” (STJ, REsp 1104665/RS, j. 09/06/2009, publ. em 4/8/2009). [64]“PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO. – A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. – Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frustra as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de “uma simples esperança subjetiva”, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. – A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. – A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial”. (STJ, REsp 1079185/MG, j. 11/11/2008, publ. em 4/8/2009). [65] NORONHA, Fernando. Obrigações, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 476. [66] Assim, e.g., acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, apelação cível n. 2009.053622-7, de São Bento do Sul, j. em 9/2/2010. [67] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, t. II, p. 314, nota 1.241. [68] ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 86. [69] ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 88.